Na última segunda-feira, 4, o deputado federal Padre João discursou no plenário da Câmara, em Brasília, homenageando o bispo emérito de João Pessoa, Dom José Maria Pires, falecido no dia 27 de agosto. O parlamentar destacou pontos marcantes da trajetória do bispo, sua atuação em Minas Gerais e a importância do trabalho social que promoveu ao longo do seu ministério. Leia o discurso na íntegra:
Sr. Presidente, senhores e senhoras deputados(as),
Venho a esta tribuna para prestar homenagem a Dom José Maria Pires, arcebispo emérito de João Pessoa, na Paraíba, que faleceu no dia 27 de agosto de 2017, em Belo Horizonte, onde morava depois que se aposentou.
Dom José é mineiro, nasceu no Distrito de Córregos, município de Conceição do Mato Dentro/MG, em 15 de março de 1919. Desde criança demostrou vontade de ser padre. Sua mãe achou que seria impossível porque eram pobres e moravam em lugar distante. Sua madrinha de Batismo, porém, o encorajava. “Reze para São José, o padroeiro das vocações, que ele vai lhe mostrar o caminho”, dizia ela.
Sua mãe morreu de mal súbito e ele ainda criança foi morar com a madrinha que tinha se mudado para Diamantina. Ali concluiu o curso primário. Ele procurou pessoalmente o arcebispo Dom Joaquim Silvério de Souza e lhe disse: “Eu quero ser padre”. O arcebispo mandou chamar a madrinha e pediu mais informações sobre a família e vida de José, que em janeiro de 1930 entrou para o seminário de Diamantina, onde fez todos os estudos. Foi ordenado presbítero em 20 de dezembro de 1941, aos 22 anos de idade. Foi professor no seminário por um ano, depois de ordenado. Em seguida, foi enviado para uma paróquia que estava sendo criada, que na época se chamava Travessia de Guanhães e hoje, Açucena. Lá trabalhou por quatro anos. Depois foi para Governador Valadares que ainda pertencia à Arquidiocese de Diamantina, onde foi pároco e diretor do Colégio Arquidiocesano Ibituruna (de 1946-1953). Em 1956 trabalhou como pároco em Curvelo. Em 1957 foi nomeado bispo da Diocese de Araçuaí, onde ficou até 1965 quando foi nomeado Arcebispo de João Pessoa, na Paraíba, permanecendo até 1995, quando apresentou sua renúncia, conforme determina o Código de Direito Canônico. Voltou a ser pároco em Córregos e Santo Antônio do Norte, onde ajudou várias famílias com projetos de geração de renda. Depois passou a residir em Belo Horizonte, onde veio a falecer no dia 27 de agosto deste ano.
Dom José participou do Concílio Vaticano II, de 1962-1965. Integrou o movimento Pacto das Catacumbas, no qual vários bispos assumiram o compromisso da igreja servidora, pobre e libertadora. Uma vida sem luxo e sem pompas. Viver do jeito que o povo vive: na maneira de vestir, de morar, de alimentar, no modo de se transportar: andar de ônibus, de bicicleta, a pé, de carona. E sempre ouvir o povo e também na maneira de lidar com o clero. Não era mais compreensível dar ordens como um rei, um príncipe, mas dialogar. O Pacto foi realizado na Celebração Eucarística na Catacumba de Santa Domitilla, onde 40 bispos de várias partes do mundo assinaram o documento.
Dom José fez muito bem ao povo de Minas Gerais nas várias comunidades onde trabalhou como pároco e também como bispo. Um pessoa simples, pé no chão, acolhedor, cheio de carinho. Seguro nos ensinamentos. Pregava com seu exemplo de vida. Seguindo Jesus, o bom pastor, nunca permitiu injustiça, estava sempre na defesa dos pobres e injustiçados. A Diocese de Araçuaí era enorme, dela foram desmembradas as dioceses de Almenara, Governador Valadares e Teófilo Otoni. Dom José conviveu com uma das regiões mais pobres de Minas Gerais. Entendeu o sofrimento do povo e sempre cobrou dos governantes maior atenção, respeito e investimentos. Muitas vezes teve atrito e foi mal compreendido, mas nunca perdeu e ternura e a capacidade de ouvir.
Foi um defensor da liberdade de expressão, da democracia e lutou contra os mandos do regime militar. Acolheu muita gente perseguida e se tornou um baluarte na defesa dos direitos humanos. Foi um lutador contra o racismo. Foi uma luz da Igreja ao lado de Dom Helder Câmara e outras lideranças na resistência da ditadura. Na CNBB, naquela época, quando se discutia sobre o assunto, querendo fazer algum documento, sempre havia vozes contrárias. Mas a situação era muito peculiar ao Nordeste. Então Dom José e Dom Hélder resolveram assumir a questão dentro do Nordeste II, que envolve os estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Como tudo era muito vigiado, foram escolhidos dois padres para fazerem o trabalho: padre Ernanne Pinheiro e padre Marcelo Carvalheira. Visitaram as dioceses e paróquias do Regional e colheram as informações, tudo em segredo. O documento foi redigido e aprovado em assembleia dos bispos, padres, freiras e leigos. Em 6 de maio de 1973, ele foi lido em todas as missas das paróquias e comunidades do Regional Nordeste II, com o título: “Eu ouvi os clamores do meu povo”. O documento não só acusa o governo de tortura, opressão/perseguição como também aumentador da fome e da miséria, com programas equivocados que concentravam terras e riquezas. Até hoje ainda é objeto de estudo e referência de luta e compromisso de uma Igreja profética.
Um dos fatos para ser relembrado de como Dom José lidou com o regime militar: quando ainda bispo de Araçuaí, ficou sabendo que um padre da Diocese estava com ordem de prisão pelo regime militar. Ele saiu da Araçuaí e foi a Belo Horizonte falar com o general que comandava a guarnição em Minas. O general não estava na capital mineira, mas Dom José não desistiu. Ficou quatro dias esperando por ele. Quando voltou, disse: “Olha general, o senhor é comandante. Se um dos seus comandados faz alguma coisa cumprindo sua ordem, ninguém vai poder pedir contas a ele, tem que pedir a quem mandou, não é? O general respondeu: “Tá correto”. “Pois é. O padre da minha Diocese está cumprindo minhas ordens. Ele não pode ser preso. Quem deve ser preso é o bispo”. Aí o general instituiu uma comissão para ouvir o sacerdote. Dom José insistiu e concordou desde que a Comissão fosse lá ouvir o padre, na cúria e na sua presença. Assim foi a luta de Dom José em favor de todos.
Ele e Dom Helder Câmara viveram a pobreza e sempre estavam a serviço dos pobres. Dom Helder também fez parte do Pacto das Catacumbas. Ele foi transferido do Rio de Janeiro para Olinda em 1964. Junto com Dom José Maria Pires muito fizeram pelo Brasil, pelo povo nordestino e pela Igreja.
Por coincidência os dois morreram no mesmo dia.
Dom José Maria Pires: 27/08/2017
Dom Hélder Câmara: 27/08/1999
E mais curioso ainda é que a morte também de Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida ter ocorrido também no 27/08/2006. Coisas de Deus. Três homens santos e lutadores pela vida, pelos pobres, contra a ditadura e favor da democracia.
“Como Deus quer o mundo? Um mundo bonito e o povo feliz. Se destrói as matas, polui as águas, o mundo fica feio. Não pode. Se o povo não tem saúde, educação, alimento e segurança, não é feliz. Nossa missão é lutar por isso: um mundo bonito e um povo feliz”, Dom José Maria Pires.