Foi realizada na última quinta-feira, 23, audiência pública presidida pelo deputado federal Padre João para discutir a necessidade urgente de reparação dos danos causados às famílias e ao meio ambiente impactados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Já se passaram dois anos da maior tragédia ambiental do país e as empresas responsáveis pela barragem, Samarco/Vale/BHP Biliton, não construíram sequer uma casa na “Nova Bento Rodrigues”, famílias não foram devidamente indenizadas e, com a chegada do período chuvoso, resquícios de lama continuam contaminando o meio ambiente. O debate foi realizado pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Para o deputado, setores do judiciário estão compactuando para que a impunidade no caso deste crime se perpetue. “Já foram realizados vários estudos sobre a contaminação do solo, da água e da biodiversidade e é preciso valorizar os estudos realizados. Defendemos a elaboração de um plano de trabalho com reuniões semanais para dialogar com as comissões permanentes da Câmara; entidades prestadoras de serviço; representantes das regiões afetadas; órgãos dos governos federal e estaduais; Polícias Civil e Militar; e órgãos do judiciário que estão sendo omissos com relação a esse crime. Precisamos formalizar uma denúncia no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a parcialidade de setores do judiciário, sobretudo da Justiça Federal”, criticou Padre João.
Rastros de destruição
A audiência pública contou com um número expressivo de vítimas do desastre e representantes de vários coletivos que defendem os direitos dos atingidos. Os relatos mostram o quanto a tragédia afetou a vida das comunidades e o descaso das empresas envolvidas, conforme contou Valeriana Gomes de Souza, integrante da Comissão dos Atingidos. “É muito bom ver todo mundo lutando pela mesma causa. E é importante que alguém nos veja aqui porque até agora ninguém nos viu. Tenho criação de búfalo, a metade morreu. E nesses dois anos tem sido uma luta manter a criação viva e conseguir pagar a faculdade da minha filha. Nunca recebi nem um centavo de ajuda. É humilhante ter um filho fora da faculdade por falta de pagamento. A gente procura um funcionário da Samarco, ele empurra para outro e outro, mas não nos atende. A minha vida hoje é só dívida. Quem vai ajudar a gente? Quando que a gente vai receber alguma coisa? Eu preciso voltar a plantar, a cultivar. Como eu fazer isso? A gente está vivendo de rifa, rifa de carneiro e de galinha, para conseguir sobreviver. Eu tenho três filhos. Tudo o que a gente tinha, a gente perdeu”, desabafou Valeriana.
Relato semelhante foi contado por Maria do Carmo Silva D’Ângelo, representante da Comissão dos Atingidos. “Muitas pessoas da zona rural de Mariana até hoje não receberam o auxílio emergencial. E essa história se repete a cada dia. Com relação ao preconceito que a gente está passando, ainda ontem recebi um vídeo em que uma funcionária da Samarco convoca os empresários de Mariana para uma reunião na Câmara Municipal. E no vídeo ela diz: ‘Vamos esquecer o que aconteceu e seguir em frente’. Esquecer como? Um crime que matou 20 pessoas, sendo que uma nem sequer deve o direito de nascer? É muito difícil nossa situação de atingidos. Nós todos estamos em um beco sem saída. A gente sabe que essas empresas são muito ricas e poderosas, mas juntos nós podemos vencer”.
O presidente da Associação Comunitária de Bento Rodrigues, José do Nascimento de Jesus, conhecido com o senhor Zezinho, defendeu que a Samarco volte a operar, mas desde que cumpra com sua obrigação de reparar os danos causados. “Eu só falo bem da fundação Renova depois que nós estivermos reassentados. Até agora não vi nada que a Renova tenha feito. Eu morava tranquilamente em Bento Rodrigues há 35 anos. Por que não houve por parte da Samarco um treinamento para emergências como essa? Só depois que aconteceu esse crime é que espalharam plaquinhas na cidade falando que é área de risco. A gente tinha uma vida digna, trabalhamos muito para ter tudo o que a gente tinha para perder tudo com dez minutos. Eu acordava 5h da manhã com o maior prazer para cuidar dos meus passarinhos, das minhas galinhas, tirar meu leite, fazer meu queijo. E hoje, o que é que eu faço? Estou morando em um apartamento. Um pisa em cima, o outro escuta embaixo. Sou a favor da Samarco voltar a trabalhar, mas primeiro ela tem que cumprir com suas obrigações. Por que o processo contra a Samarco foi suspenso? Queremos que volte a correr e que os responsáveis sejam punidos”, enfatizou o senhor Zezinho.
Representatividade
O encontro contou com a participação da Defensoria Pública da União (DPU), representada pelo defensor regional de Direitos Humanos no Espírito Santo, João Marcos Mattos Mariano, que expôs a atuação da DPU em prol das vítimas. “Minha impressão é de que ainda falta muito a ser feito, não vejo empenho das empresas envolvidas em resolver o dano. A gente entende que a gestão do desastre não pode ficar completamente a cargo das empresas, como tem sido feito. A Defensoria Pública tem trabalhado com os Ministérios Públicos para mudar esse quadro”, destacou João Marcos. O defensor também alertou sobre o cumprimento da missão e a importância do fortalecimento dos serviços de assistência jurídica gratuita – Defensoria Pública da União e Defensorias Estaduais – para o atendimento das comunidades atingidas pelo desastre, lembrando que já se passaram dois anos e demandas básicas ainda não foram resolvidas.
Integraram a mesa da audiência o defensor público da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, Rafael Mello Portella Campos; o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais – Comarca de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin; o procurador da República em Minas Gerais, Helder Magno da Silva; o diretor-presidente da Fundação Renova, Roberto Waack; o chefe da divisão de assessoramento técnico da Biodiversidade e Floresta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luciano Petribu Faria; o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Jaison José Andrioli; o representante da Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão, Ronaldo Dias Luiz; o presidente da Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Social do Ministério do Desenvolvimento Social, Marco André Garbelotti; a representante da Comissão dos Atingidos de Mariana, Maria do Carmo Silva D’Ângelo; e o presidente da Associação dos Pescadores e de Colônia de Pescadores de Conselheiro Pena e região, Lelis Barreto.
Dois anos de lama e luta
O crime ambiental ocorreu no dia 5 de novembro de 2015, quando a barragem de rejeitos de Fundão, situada no município de Mariana e de propriedade da Samarco Mineração, rompeu-se e derramou 34 milhões de metros cúbicos de lama sobre o vale de um subafluente do Rio Gualaxo do Norte, afluente do Rio do Carmo, que deságua no Rio Doce.
Nos 16 dias seguintes, a lama percorreu mais de 600 km e chegou à foz do Rio Doce, no oceano Atlântico, matando a fauna e a flora da região e comprometendo o abastecimento de água de várias cidades do Espírito Santo e Minas Gerais.