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O Brasil produz muitos alimentos, mas os brasileiros passam fome

Foto: Arquivo/Agência Brasil

“A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável”, disse o Papa Francisco em sua última encíclica, Fratelli Tutti (Todos Irmãos). O Santo Padre recorre aos escritos de São Francisco para refletir sobre a fraternidade. Não há vias do reconhecimento da vida humana em todas as suas dimensões se nossos irmãos ainda enfrentam a miséria e o prato vazio, é isso que o documento quer mostrar. Na contramão do que pensa o Pontífice, 10 milhões de brasileiros não têm o que comer, ainda que o Brasil seja o terceiro maior produtor mundial de alimentos. O dado é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e se refere a 2018. Com a crise sanitária motivada pelo novo coronavírus e as políticas neoliberais de Bolsonaro e Guedes, a situação deve ser ainda mais preocupante.

 

Há seis anos, em 2014, o Brasil orgulhava-se de deixar para trás uma triste realidade: o país saia do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). Na prática, figuram listados os países onde mais de 5% da população estão em estado de extrema pobreza, o que corresponde a dizer que a cada 20 pessoas, pelo menos uma vive sem comida na mesa. Convivemos por décadas com imagens desoladoras que circularam nos mais diversos meios, de famílias inteiras a exibir seus armários totalmente vazios. O pão de cada dia foi garantido, ainda bem, por políticas públicas dos governos de Lula e Dilma, que, sobretudo, atentaram-se com sensibilidade para a realidade do povo, do campo e da cidade, e guiaram-se pelos mais nobres princípios da solidariedade, fraternidade e compaixão. Mães e pais passaram, então, a dormir mais tranquilos, na certeza de que o arroz e feijão do dia seguinte estavam garantidos para seus filhos.

 

A fome, crime contra a humanidade, segundo o Papa Francisco, voltou a doer. Nos últimos anos, 3 milhões de brasileiros perderam a dignidade e, ao todo, 10 milhões não têm acesso à alimentação diária com quantidade e qualidade suficientes. De acordo com o IBGE, metade das crianças com menos de cinco anos viviam em lares cujas famílias não tinham as condições de alimentá-las adequadamente. A situação no campo é pior que na cidade: mais de 40% da população rural passa fome. O país tornou-se, infelizmente, a casa da contradição. Isso por que assistimos os camponeses que lidam com as lavouras diariamente não tendo o que comer, mas, para além, há de se notar que o Brasil é um grande produtor de alimentos, o terceiro maior em todo mundo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), o Brasil exportou comida para mais de 180 países em 2019. Por que motivo, então, tantos brasileiros passam fome?

 

O agro não é pop

 

As mãos que seguram a enxada e lavram a terra de sol a sol estão cada vez mais impedidas de preparar as refeições que alimentariam as suas famílias. O morador do campo planta e produz alimentos, mas não tem dinheiro suficiente para comprá-los. A razão disso passa por aquilo que é prioridade à política pública. O agronegócio, responsável pelas grandes monoculturas e enormes criações de animais, apesar de campeão em exportações, não abastece as despensas dos brasileiros. Segundo o último censo agropecuário do IBGE, 70% da comida no prato do brasileiro vêm dos pequenos agricultores, que trabalham em terras modestas, geralmente em cooperação e solidariedade com suas famílias: a chamada agricultura familiar.

 

A fartura que deveria compor o prato de quem se alimenta adequadamente, com todas as cores que recomendam os especialistas, é proveniente das pequenas produções. Não são as grandes monoculturas, como as de café, soja e outros grãos, que volta e meia são transmitidas na TV com imagens bonitas e frases de efeito, tampouco os enormes pastos da produção pecuária do agronegócio, que garantem saúde aos brasileiros, nem mesmo a sua alimentação básica. Qualidade e quantidade no prato é com a agricultura familiar. Apesar disso, a ação governamental tem privilegiado os grandes empresários: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado no governo Lula, no qual o governo federal compra alimentos dos pequenos produtores e os reparte com pessoas de baixa renda, sofreu pesados cortes nos últimos anos. O mesmo aconteceu ao Programa de Apoio ao Agricultor Familiar (Pronaf), que oferece subsídios aos trabalhadores do campo.

 

A fome como projeto de governo na pandemia

 

Em 2019, ainda antes da pandemia da COVID-19, relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) soou o alarme: o número de brasileiros famintos já era maior que toda a população do Uruguai. O mesmo estudo indicou que a falta de investimentos em políticas públicas, o desemprego e os cortes no Bolsa Família eram responsáveis por essa marca catastrófica. Na verdade, as entrelinhas da história demonstram que o crime da fome é uma consequência da crueldade como projeto de governo, que no Brasil está em curso desde o golpe que destituiu uma presidenta eleita e violentou a democracia. A violência da subalimentação é, também, consequência do desprezo pela ordem democrática.

 

Quando questionado, em uma coletiva de impressa, sobre a situação da fome entre os brasileiros, Jair Messias Bolsonaro respondeu que “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”. Mais que insensível, o posicionamento do presidente alinha-se à sua forma de governar: estabelecer disputas narrativas, desqualificando dados e apunhalando a verdade. O modo de governar de Bolsonaro exclui tudo aquilo que ele não quer que seja visto, fazendo crer que a realidade que machuca tanta gente é uma ilusão. Além disso, necessário lembrar que em meio a uma crise sanitária global, que acentuou ainda mais as desigualdades, o líder do executivo nacional reduziu em 50% o valor do auxílio emergencial. O auxílio é fruto da clara articulação da oposição na Câmara dos Deputados e visa o atendimento de milhões de pessoas para que não passem fome por razão da pandemia do novo coronavírus.

 

Em 2020, ano de pleito eleitoral, as discussões acerca da fome e da pobreza devem estar ainda mais em voga. Isso por que as políticas públicas de incentivo à agricultura familiar e, consequentemente, de erradicação da fome, passam pelas administrações municipais. Prefeitos e prefeitas eleitos devem estar comprometidos com as causas populares, sobretudo com aqueles que verdadeiramente produzem os alimentos, além dos que nada tem a dar de comer aos seus filhos. Nas Câmaras Municipais, a situação não é diferente. Os cidadãos devem estar atentos para que os vereadores eleitos fiscalizem os eventuais recursos repassados aos municípios e proponham projetos em benefício dos trabalhadores do campo. Segundo o Deputado Federal Padre João, presidente da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional (FPSAN/Brasil) da Câmara dos Deputados, “Os eleitos e eleitas devem sair de si mesmos, fazer do espaço político um espaço de serviço, como recomenda o Papa Francisco. Incentivar e implementar políticas que fortaleçam a agricultura familiar e a agroecologia para que nenhuma família viva sem o pão de cada dia”. O parlamentar diz, ainda, seguir firme em defesa da manutenção do auxílio emergencial.

 

Para que a nenhuma família venha a faltar o pão, o teto e o trabalho, lembremo-nos, pois, da frase do Pontífice da Igreja, proferida no Dia Mundial dos Pobres, 15 de novembro, o mesmo dia das eleições no Brasil: “peçamos a graça de ver Jesus nos pobres”.

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