“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, útil e humilde, preciosa e pura”, diz São Francisco de Assis, com seu Cântico das Criaturas. O santo reconhece, com um verso, várias nuances dos recursos hídricos: a sua utilidade, pureza, além de sua finitude e preciosidade. Nosso sentimento de amor fraterno às demais criaturas é constantemente questionado por uma cultura que vê, no Brasil, uma fonte que nunca seca, fazendo crer que a seca e a escassez são problemas restritos ao nordeste do país. A falta de cuidado com a Casa Comum vem deixando sequelas, a exemplo da crise hídrica instalada em 2014, que segue preocupando especialistas. Soluções criativas e de baixo custo são urgentes, nesse sentido as barraginhas despontam como resposta eficiente ao desiquilíbrio.
Não é incomum que, no imaginário coletivo, a seca e a escassez de água figurem como problemas do semiárido ou da catinga, mais restritos ao nordeste do Brasil. Os últimos anos, no entanto, demonstraram que essa não é bem uma verdade. Se culturalmente os recursos hídricos foram tratados como inesgotáveis, e o Brasil como um lugar privilegiado nesse sentido, a partir de 2014, a falta de água tomou conta das manchetes e alertou os brasileiros de que o problema está mais próximo do que se imagina. O consumo de água é maior que a sua capacidade de renovação, em especial pelo dispêndio agroindustrial: dos cem litros consumidos pelos brasileiros, 72 vão para o agronegócio, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). As grandes empresas monocultoras são, também, aquelas que mais tendem ao desperdício. O desprovimento de água afeta diretamente a outros setores, como o da alimentação e da geração de energia elétrica.
Tecnologias sociais, aquelas de baixo custo, cuja aplicação seja acessível ao maior número de pessoas, são soluções imprescindíveis ao problema da falta de água. Nesse sentido, as barraginhas despontam como resolução de baixo custo e alta eficiência. As barraginhas são pequenas bacias cavadas no solo capazes de reter parte do fluxo das enxurradas. A infiltração da água da chuva no terreno possibilita a preservação do solo e a recarga dos lençóis freáticos, capazes de abastecer rios, nascentes e córregos. Em outras palavras, fazendo referência à quase premonição de Antônio Conselheiro, líder de Canudos, quando disse “O sertão vai virar mar”, não seria exagero dizer que a implantação do sistema de barraginhas corresponde a “plantar água”, fazer com que o solo a absorva e a devolva às bacias hidrográficas.
Barraginhas retêm água da enxurrada e reabastecem o lençol freático. Foto: Luciano CordovalA eficiência do sistema de barraginhas é tamanha que a tecnologia está presente em 13 estados brasileiros e no Distrito Federal. Uma única pequena escavação, com cerca de 1,5 metro de profundidade e 25 metros de diâmetro, pode sustentar uma lavoura familiar. Dezenas de barraginhas seriam capazes de perenizar córregos, irrigar hortas familiares e, quiçá, favorecer a criação de peixes em pequenas lagoas. Centenas dessas escavações tendem a fazer retornar a fauna e flora anteriormente destruídas, mesmo em regiões de clima mais seco. O deputado federal Padre João (PT-MG) reconhece a importância da tecnologia, por isso apresentou o projeto de lei (PL) 3.715/2020 que cria o Programa de Barraginhas. “Já existem iniciativas de barraginhas no Brasil, mas é preciso que o poder público assuma essa responsabilidade com toda a população”, defende o parlamentar.
Nos passos do Papa Francisco – que recorre ao santo de mesmo nome para pensar o mundo como uma Casa Comum, onde todos moram e todas as criaturas são irmãs -, Padre João pensa em uma ecologia integral, capaz de promover a vida e articular os valores de luta com a produção sustentável. Segundo ele, o povo merece e precisa ter acesso à água de qualidade, pois é essa que faz “brotar” a vida no campo e na cidade. “A água é um direito humano, é elemento imprescindível para que todos tenham vida abundante e possam produzir e sustentar suas famílias”, finaliza o parlamentar.