Audiência Pública na ALMG debate trabalho escravo em Minas Gerais
Em pauta as ameaças aos auditores-fiscais do trabalho envolvendo assessor de deputado estadual
A Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou audiência pública nesta quarta-feira, dia 03. O deputado estadual Leleco Pimentel (PT) e o presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, deputado estadual Betão (PT), convocaram a audiência para debater as situações de trabalho escravo e as ameaças enfrentadas pelos auditores fiscais do trabalho, especialmente nas regiões do Sul de Minas Gerais.
Participaram da reunião o deputado federal Padre João (PT), Superintendente Regional do Ministério do Trabalho em Minas Gerais, Carlos Calazans, Mariana Ferreira Bicalho, Secretária de Estado Adjunta, Jorge Ferreira dos Santos Filho, Coordenador-Geral da Articulação dos Empregados Rurais de Minas Gerais – Adere/MG. Cerca de 50 pessoas, incluindo resgatados e representantes de Berilo, Chapada do Norte, Carmo de Minas, Conceição, Varginha, Três Corações e Campo do Meio, participaram da audiência em Belo Horizonte. A audiência teve como objetivo buscar formas de combater esses crimes, garantir a dignidade no trabalho e proteger os fiscais e dirigentes sindicais ameaçados.
No dia 6 de junho, o tio de um assessor do deputado estadual Antônio Carlos Arantes (PL), foi alvo de uma operação policial, na zona rural de Muzambinho (MG). A Polícia Federal investiga o caso de ameaça a auditores-fiscais do Trabalho, que disparou áudios em grupo de aplicativo de mensagens contra servidores que atuam na região cafeeira do estado.
O Superintendente Regional do Ministério do Trabalho em Minas Gerais, Carlos Calazans, reiterou o compromisso com a segurança e integridade dos auditores-fiscais, destacando que nenhuma ameaça impedirá a fiscalização no estado. Ele enfatizou o dever de defender os direitos dos trabalhadores e afirmou que todas as ameaças serão encaminhadas à Polícia Federal para investigação. Calazans também mencionou a realização de um concurso para contratar 900 auditores, visando fortalecer a equipe de administração e recuperar o Ministério do Trabalho, que foi extinto no governo anterior ao de Lula.
Leleco disse que é necessário identificar e punir criminosos, denunciando o uso de estratégias para criminalizar a esquerda e que enfrentará o agronegócio e os escravocratas, em defesa dos trabalhadores: “Eu não estou passando o pano para Antônio Carlos Arantes. E quando alguém disse para nós que vendeu a terra de café, deve ter passado para o nome de alguém. Eles conhecem bem o que é laranja. O que, de fato, nós trouxemos aqui é a oportunidade de ele sentar, se defender, que é isso que a gente, no ambiente democrático, é, e na luta que a gente tem. Mas nós vamos levar à frente todas as denúncias. E nós enfrentamos o doutor Carlos Arantes, nós enfrentamos o agronegócio, nós enfrentamos os escravocratas, nós enfrentamos todas essas pessoas, porque aqui, nesta Comissão, presidida pelo companheiro Betão, e junto com as entidades que aqui estão, nós não tememos de saber a história de nós mesmos.”
Mais um caso de denúncia de trabalho escravo envolvendo parlamentar
O produtor rural Emidio Alves Madeira, pai do deputado federal Emidinho Madeira, foi listado duas vezes no cadastro de empregadores responsabilizados por trabalho escravo, conhecido como “lista suja”. As ocorrências foram em outubro de 2017, devido a um resgate de 14 pessoas em Bom Jesus da Penha (MG) em 2016, e em março de 2017, por outra operação envolvendo 60 trabalhadores na mesma cidade, em 2015, em outra propriedade rural.
O deputado federal Padre João, em participação por vídeo chamada direto da Câmara dos Deputados em Brasília, enfatizou a importância de não explorar seres humanos para obter lucro e de tratar todos com dignidade. Ele criticou deputados que não cumprem seu papel de fiscalização, mencionou a necessidade de evitar a contaminação social em qualquer setor econômico e fez referência ao caso de Unaí, Leleco Pimentel expressou repúdio ao deputado Emidinho Madeira e ao agronegócio, referindo-se a ele como “agro da morte”. Ele criticou as declarações que incitam violência no campo e condenou a presença de alguém condenado por escravidão no congresso, acusando-o de disseminar mentiras, fake news e violência contra trabalhadores e fiscais.
Jorge Ferreira dos Santos, Coordenador-Geral da Articulação dos Empregados Rurais de Minas Gerais – ADERE/MG“: Nós temos que entender, é que os órgãos federais, em combate ao trabalho escravo têm que estar dentro para fazer o debate contigo de voto, inclusive Ministério Público do Trabalho, porque são eles que vão lá muitas vezes, tirar o trabalhador da situação que o empreendedor o colocou. Então é importante re-instituir o direito de voto para os órgãos federais em combate ao trabalho escravo, isso é um bidir também.”
Por sua vez, a secretária de governo Mariana Bicalho após os apontamentos do coordenador do ADERE/MG afirmou: “A gente compreende todas as suas citações, vamos encaminhar para ver se são responsáveis, estamos abertos a nos reunir para deliberar também, mas o importante é que o contrário é a paridade, então o número de poderes definitivos com direito ao voto é o mesmo da sociedade civil, conforme o próprio decreto. Estamos abertos a conversar sobre a possibilidade de votação.”
Trabalhadores do campo e resgatados do trabalho escravo participaram da audiência
Janete Mariete Ribeiro Luiz, moradora da Chapada do Norte, Vale do Jequitinhonha, compartilhou a história de seu ex-marido, um trabalhador rural em condições difíceis. Como água gelada para banho e a necessidade de beber cachaça para se aquecer. Janete revelou que ele só soube da morte de sua mãe após o enterro, devido à falta de comunicação na região: “”A coisa que me deixa mais triste é a questão da mãe dele”. Seu ex-companheiro também tinha dificuldades em economizar dinheiro devido a um ciclo vicioso em que o dinheiro que ganhava acabava nas mãos dos patrões, pois só podia comprar mantimentos deles que custavam o dobro ou o triplo do mercado, dificultando seu envio para a família.
Giza Alexandre de Três Pontas/MG, do movimento de trabalhadores do Campo: “É uma escravização do homem, da mulher que está lá esperando e também os filhos.” Para ela a escravidão não apenas priva as pessoas de sua liberdade e dignidade, mas também afeta suas relações familiares e a realização de seus sonhos mais básicos, como ter uma vida digna e segura.
Instauração de CPI
Na audiência pública, foi discutida a necessidade de instalação de uma CPI para investigar a existência de trabalho escravo nas atividades produtivas de carnes, na cadeia de produção de café e carvão em Minas Gerais. Foi mencionada a importância de obter 26 assinaturas, sendo destacada a necessidade de sensibilizar outros deputados para apoiar a iniciativa. Além disso, foi proposta uma ação junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público do Estado para agilizar a tramitação dos processos de apuração de denúncias de trabalho escravo. Também foi mencionada a elaboração de dois projetos de lei relacionados aos temas discutidos na audiência.
Conheça os dados
Dados do Ministério do Trabalho revelam que Minas Gerais liderou as operações de resgate em agosto, com 204 trabalhadores libertados. Dados do Sindicato Nacional de Auditores-Fiscais do Trabalho revelam a grave situação em Minas Gerais, onde a fiscalização é realizada com menos de 3 auditores por município. Nos últimos 13 anos, houve um aumento significativo nos casos de trabalho semelhante à escravidão no estado, sem um correspondente aumento na fiscalização. Atualmente, há apenas 225 auditores concursados em Minas Gerais, o menor número das últimas três décadas, o que representa um desafio significativo no combate a essas práticas. O desmonte do setor e as ameaças aos auditores-fiscais estão em ascensão, com uma perda de quase 90 profissionais em 11 anos, resultando em uma estrutura inadequada para lidar com a extensão territorial do estado.