De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existem no Brasil cerca de 820 mil organizações da sociedade civil. Atualmente aproximadamente sete mil recebem recursos públicos através da Lei nº 13.019 de 2014, tem o objetivo de aperfeiçoar a relação entre essas organizações e o Estado. A Lei trata do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que também estabelece um novo regime jurídico para parcerias, estimular a gestão pública democrática e valorizar organizações parceiras na garantia e efetivação de direitos.
Mas as organizações da sociedade civil têm enfrentado muitas dificuldades na hora de celebrar qualquer dos termos previstos pelo MROSC, como o Termo de Fomento ou Colaboração, bem como o Acordo de Cooperação. Além disso, houve uma grande diminuição nos recursos da União para repasse ao setor.
E foi para debater a implementação e possíveis alterações do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que as Comissões de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e a de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC), fizeram uma audiência pública no último dia 5, requerida pelo deputado federal Padre João.
As organizações
Eleutéria Amora da Silva, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e da Casa da Mulher Trabalhadora, considera as organizações da sociedade civil um “motor da sociedade”. “Quando falamos de organizações da sociedade civil, falamos em transformação da sociedade, na medida em que assume funções que o Estado não executa. Mas a burocracia e a falta de recursos têm nos colocado num trapézio, na insegurança. Hoje, a grande maioria das organizações funciona graças ao trabalho voluntário e, se estamos numa democracia, temos que ter direito ao dinheiro público”, pondera Eleutéria.
Fernando Zamban, coordenador nacional da Cáritas Brasileira, considera a Lei 13.019 limitada. “Além das dificuldades regionais e das diferenças de interpretação, as organizações da sociedade civil pagam tributos indevidos, como uma empresa privada. Isso tem provocado o fechamento de portas. A nossa tributação não pode ser a mesma”, pondera. Fernando destaca ainda a falta de capacitação, em vários níveis, para a implementação da Lei.
Aline Viotto Gomes, coordenadora de advocacia do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), que é uma instituição que trabalha com investimentos privados em causas de interesse público, trouxe dados de uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A MROSC é uma lei nacional, mas com aplicação nos estados e municípios. E de acordo com a pesquisa, 160 municípios, sendo dez capitais, e dez estados e o Distrito Federal, já regulamentaram a Lei. Mas, entre 2014 e 2016 o repasse caiu de 12,1 bilhões de reais para cerca de 2 bilhões de reais. Uma queda considerável. E sem recurso não tem parceria. Isso leva as organizações, como acontece hoje, a viverem de recursos privados, cotas associativas ou doações. Outro ponto importante é a tributação. De 75 países, apenas três tributam doações: Brasil, Coreia do Sul e Croácia”, informa Aline.
Laís Lopes, advogada, que já foi responsável pela articulação técnica e política do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil no governo federal, destacou que a agenda das organizações da sociedade civil soma participação social, gestão pública e transparência na aplicação dos recursos públicos. “Precisamos construir uma governança local para implementar o MRSOC, como acontece na Bahia e em Belo Horizonte, por exemplo, com a criação de conselhos de fomento e cooperação”.
Experiência baiana
Candice de Araújo, representante da Plataforma MROSC da Bahia apresentou como foi organizado o Marco naquele estado, onde atuam 80 organizações da sociedade civil. Na Bahia, a implementação começou em 2014. Depois de várias iniciativas, como seminários, videoconferências e parcerias com universidades e instituições públicas, foi criado em 2016 o decreto estadual que regulamenta o Marco. “Nosso trabalho é desenvolvido junto com o Conselho Estadual de Fomento e Cooperação, que atua em dez segmentos, entre eles a juventude, idosos e saúde. Porém, temos desafios como a falta de conhecimento da Lei e dificuldade em mensurar indicadores e resultados. Por causa disso, chegamos à conclusão que há uma necessidade de alterar o decreto estadual e até mesmo a Lei 13.019 de 2014.
Plataforma da Enap
A diretora do Departamento de Transferências Voluntárias (DETRV), do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Débora Arôxa, defendeu cautela dos gestores públicos que atuam junto às organizações civis. “ Na dúvida, você se acautela, e como gestor público exige mais para garantir que não está envolvido num potencial problema. Precisamos rever a forma de fazer parcerias. O Brasil tem 5.670 municípios, cada um com uma possibilidade de criar uma orientação e interpretar a Lei. Temos que capacitar as pessoas para que haja uma mudança comportamental. No lugar de mudar regras, mudar as pessoas. Para ajudar, estamos criando uma plataforma na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), sobre o Marco Regulatório. Isso vai possibilitar o acesso a qualquer cidadão, em qualquer lugar do país”, informou Débora.
“Esse Marco instituiu normas gerais para parcerias celebradas entre a Administração Pública, nos três níveis de governo e as entidades civis sem fins lucrativos. O principal objetivo que era desburocratizar o processo de prestação de contas, na transparência na aplicação do dinheiro público e possibilitar um maior planejamento para executar as parcerias, não está acontecendo por causa da falta de capacitação para a implementação da Lei. Tivemos avanços, mas temos entidades que prestam serviços há décadas e que não estão recebendo recursos. Alguns municípios se adequaram e outros não. As prefeituras usam como desculpa o Ministério Público para não aderir ao MROSC, já que pode haver problemas na prestação de contas”, explicou o deputado Padre João, que pediu a realização da audiência pública.
Também participou do encontro Valéria Salgado, do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa)
A Lei
A nova lei define o chamamento público como regra geral, com um padrão nacional para as parcerias entre as organizações e os órgãos gestores. A Lei foi regulamentada pelo Decreto n. 8726 de 2016. Em 2015, houve a publicação da nova Lei 13.204, retirando estados, municípios e o Distrito Federal do texto da Lei originária, porque considerou que eles têm autonomia para criarem suas próprias leis e regulamentos.
“ A capacitação e conhecimento das responsabilidades, por parte das organizações da sociedade civil, no que diz respeito à transparência na gestão dos recursos dessas parcerias com o setor público é imprescindível. É importante ter ciência das penalidades da lei, principalmente, para evitar problemas com prestação de contas”, destacou o deputado Luiz Couto (PT/PB), presidente da CDHM.
Formas de acordos
O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil criou três instrumentos jurídicos próprios. O Termo de Fomento, o Termo de Colaboração e o Acordo de Cooperação.
Pelo Termo de Colaboração são feitas parcerias para a consecução de planos de trabalho cuja concepção seja da administração pública federal, para projetos com finalidades de interesse público.
O Termo de Fomento é para as parcerias destinadas à execução de projetos que venham das organizações da sociedade civil, com projetos desenvolvidos ou criados por essas organizações.
Já o Acordo de Cooperação regulamenta as parcerias sem transferências de recursos financeiros, para atividades de interesse público, entre as organizações da sociedade civil e a Administração Pública.
Fonte: camara.leg.br.