Em meio à degradação ambiental crescente e entraves legais e econômicos, os pescadores profissionais e artesanais também estão preocupados com a repercussão de proposições que tramitam na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Esses temores foram expressos nessa quinta-feira, 14, em audiência pública da Comissão de Participação Popular, atendendo a requerimento do seu presidente, deputado Doutor Jean Freire (PT), que contou com a participação do deputado federal Padre João (PT-MG).
Uma dessas proposições é o Projeto de Lei (PL) 483/15, do deputado Fred Costa (PEN), que altera a Lei 14.181, de 2002, que dispõe sobre a Política de Proteção à Fauna e à Flora Aquáticas e de Desenvolvimento da Pesca e da Aquicultura. A proposição, que procura corrigir excessos na pesca amadora, na última terça (12) recebeu parecer favorável de 2º turno da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Com isso, já pode voltar à pauta do Plenário.
A proposição prevê cota zero para essa modalidade, quando praticada com a finalidade de lazer e recreação e autorizada pelo órgão competente, de forma a proibir a retirada do peixe do local onde foi pescado, permitindo-se apenas o consumo no próprio lugar. Na justificativa que acompanha o projeto, Fred Costa argumentou que o objetivo é permitir a recuperação dos estoques pesqueiros nativos, o fomento da pesca esportiva e a manutenção do equilíbrio biológico.
Projeto anexado A esse projeto de lei foi anexado o PL 4.833/17, do deputado Anselmo José Domingos (PTC), que proíbe, pelo período de cinco anos, o transporte de peixes capturados, permitindo-se apenas o consumo pelos participantes no local da pesca. A proposição, ao estipular essa cota zero para deslocamento, não especificava a natureza da atividade, se amadora ou profissional, o que poderia afetar quem depende dela para sua sobrevivência.
Também contribuiu para aumentar o temor dos pescadores profissionais o fato de, ainda na tramitação em 1º turno do PL 483/15, ter sido aprovado substitutivo que estabelecia limite máximo para captura e transporte por pescador na modalidade de pesca amadora. Ele seria de cinco quilos mais um exemplar.
Mobilização da categoria é elogiada
O deputado Doutor Jean Freire classificou como positiva a rápida mobilização dos pescadores profissionais, pois o projeto em tramitação ainda pode ser aprimorado. “Vocês vieram aqui pelas próprias pernas, como sociedade organizada. Quem compromete o meio ambiente é o agrotóxico, a poluição, e não quem sobrevive da pesca. É preciso ter coragem para discutir isso”, afirmou.
As lideranças dos pescadores apresentaram as principais demandas da categoria, que congrega aproximadamente 32 mil famílias no Estado. Eles denunciaram que, até quatro anos atrás, era muito fácil a qualquer pessoa obter a licença de pescador profissional. A emissão das carteiras pelo governo federal foi suspensa e o problema hoje é outro, já que uma nova geração de pescadores profissionais se vê obrigada a atuar na clandestinidade.
As dificuldades para renovação do documento também são muitas, conforme reforçou o presidente da Federação dos Pescadores de Três Marias (Região Central do Estado), Valtim Quintino da Rocha. “Mas não vamos ficar quietos, vamos para a guerra”, prometeu.
A presidente da Colônia de Pescadores Profissionais e Artesanais de Lavras Z17, no Sul de Minas, Sandra Mara Fonseca, contou que, sem documentos, fica praticamente impossível ter acesso a crédito ou programas públicos, como o seguro defeso, uma espécie de seguro desemprego dos pescadores. “Nós, peixes pequenos, nada podemos fazer. Quem pode resolver isso são as autoridades, os peixes grandes”, comparou.
O presidente da Colônia de Pescadores de Almenara e Região (Jequitinhonha), Ariovaldo Teixeira Oliveira, também reclamou da degradação ambiental e pregou vigilância permanente quando o que estiver em jogo for a sobrevivência da categoria. “Esse projeto pode ser aprovado de um jeito que depois vamos ter voltar aqui para reclamar. O ideal agora não é tirar o pescador do rio, mas dar alternativas para que possa trabalhar. Muitos deles passam fome”, lamentou.
Problemas
O coordenador de Aquicultura e Pesca do Escritório Federal em Minas Gerais, José Oswaldo Albergaria de Carvalho, reconheceu que dificuldades políticas, inclusive com a extinção do ministério, têm dificultado a implementação de políticas voltadas para a categoria. Ele apoiou sugestão dada na audiência para um amplo recadastramento para tentar reorganizar a concessão de benefícios aos pescadores.
Já a coordenadora estadual de Pesca, Piscicultura e Meio Ambiente da Emater, Vanessa de Oliveira Gaudereto, defendeu um alinhamento maior entre as legislações estadual e federal para amparar a pesca amadora, que, segundo ela, também traz desenvolvimento econômico para muitos municípios mineiros. Ela também reforçou as críticas às ações do governo federal no setor e, no âmbito do Legislativo estadual, defendeu um debate maior antes da aprovação de novas leis.
“Esse projeto pode ser aprovado em tempo recorde sem que toda a cadeia do peixe e as instâncias do governo possam dar sugestões”, apontou. Ela sugeriu a formação de um grupo de trabalho que viabilize ações voltadas, por exemplo, para minimizar a situação dos pescadores do Rio Doce, atingido pelo vazamento da barragem de rejeitos de minério da Samarco, em 2015.
Fortalecimento da categoria
Uma das bandeiras do mandato do deputado federal Padre João é promover iniciativas que fortaleçam o setor da pesca e aquicultura no país. Em outubro deste ano, o parlamentar realizou audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados com intuito de discutir as deficiências, incoerências e falta de estruturação do órgão do Governo Federal responsável pelo atendimento e desenvolvimento do setor. Atento às dificuldades para exercer a atividade, Padre João criticou os projetos em tramitação na ALMG. Para ele, a casa legislativa deveria ouvir a categoria para aprimorar a legislação existente e não elaborar leis que dificultam ainda mais o trabalho dos pescadores.
“Atualmente não há atendimento, análise documental e liberação de novos registros de atividade pesqueira, nem fiscalização quanto à pesca predatória. Não há funcionários suficientes para atender as demandas do setor e falta regularização da piscicultura no país, que poderia gerar mais empregos e renda. Diante dessa situação, é de extrema relevância debatermos as demandas e necessidades do setor, uma vez que são milhares de pescadores e pescadoras ativos no estado”, ponderou Padre João.
Com informações do site: www.almg.gov.br.