Arroz e feijão são os alimentos indispensáveis no prato dos brasileiros, somam-se a eles as verduras, vegetais e carnes. Variações podem ocorrer, de acordo com a cultura e os hábitos regionais. Veneno, certamente, não é um ingrediente de interesse para a alimentação diária. Apesar disso, a produção do agronegócio continua a envenenar as famílias utilizando grandes quantidades de químicos nocivos à saúde humana, é o que demonstra o relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em outubro de 2020.
Os agrotóxicos são amplamente aplicados na produção de alimentos, em especial nas grandes culturas do agronegócio. Os compostos químicos modificam a dinâmica da fauna e da flora, tendem a evitar determinadas pragas e, no caso de algum deles, acelerar processos do plantio e colheita, mas tudo isso a um custo muito alto para o consumidor. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos em volume de produto do planeta, de acordo com os dados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, apresentados durante audiência em Brasília, em 2019. Vários desses químicos são altamente nocivos, conhecidos por causar intoxicação instantânea e, a médio e longo prazo, alterações fisiológicas crônicas. Os efeitos no corpo humano variam de dores de cabeça, enjoo e vômito até a transtornos mentais, câncer e a morte.
A aplicação massiva de venenos na comida é, sobretudo, uma questão de priorização de investimentos. Vê-se isso, por exemplo, ao considerar que, em contrapartida a boa parte dos brasileiros que sofre os transtornos por razão da pandemia da COVID-19, o Produto Interno Bruto (PIB) das industrias do agronegócio cresceu 6,75% de janeiro a julho de 2020. Agricultores familiares, que produzem em comunidade, cultivando com variedade e em pequenas terras, sofrem com a recessão e a falta de atenção do poder público. O governo de Bolsonaro liberou, em 2020, o uso de 343 pesticidas para uso das grandes indústrias, isso até o mês de outubro, o que aponta para evidente escolha da política econômica neoliberal: favorecer os grandes empresários em detrimento dos pequenos produtores, ainda que isso custe a saúde da população brasileira.
A leitura cuidadosa do relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa revela dados alarmantes. Oito em cada dez pimentões analisados tinham agrotóxicos proibidos ou acima do “nível permitido”; goiaba, cenoura, tomate e alface integram a lista dos cinco primeiros colocados, com percentagens de alta contaminação variando de 42% a 30%. O índice “tolerável” de consumo de venenos utilizado pela Anvisa desconsidera os possíveis efeitos desses compostos químicos nos corpos de crianças com menos de dez anos, o que indica que a situação é ainda mais preocupante que aparenta. Uma das frutas preferidas dos brasileiros, a laranja, tornou-se risco: uma em cada 14 tinha veneno o suficiente para intoxicar instantaneamente o consumidor.
Há anos atuando na defesa da vida dos brasileiros, o deputado federal Padre João (PT-MG) criou, em 2011, a subcomissão especial sobre o uso de agrotóxicos e suas consequências à saúde, cujo relatório é, ainda hoje, um marco informativo sobre os problemas do uso de agrotóxicos no Brasil. O histórico de luta do parlamentar se entende, tanto com atos legislativos, como com a rotineira atuação junto aos agricultores familiares e demais defensores do meio ambiente. Recentemente, apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 444/2020, a fim de manter a proibição de um dos venenos favoritos do agronegócio, o paraquat. “Combatemos o plano nefasto da política econômica neoliberal, que quer acabar com a Nossa Casa Comum e tirar as condições para que os trabalhadores do campo tenham uma vida digna. O alimento limpo, livre de veneno, é um direito de toda pessoa humana”, afirma Padre João.
Padre João reforça apoio à agricultura familiar, que produz 70% da alimentação dos brasileiros, como a alternativa mais sustentável ao agronegócio; com culturas diversificadas que permitem o maior controle natural de pragas. Do mesmo modo, a produção agroecológica e orgânica são possibilidades, assim como agricultura urbana. Esta última já incentivada em diversos países pelo mundo, onde há culturas e criações em espaços nas cidades, como as hortas comunitárias. Projeto do parlamentar sobre a matéria (906/2015) foi aprovado na Câmara e tramita no Senado Federal.